quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ivan Lessa escreve sobre haicais na Folha de S. Paulo

A aluna Luciana Jabur encaminhou-me o link do texto abaixo, cuja leitura recomendo!
Um abraço a todos,
Monica

21/04/2010 - 07h30
Política & Poesia
IVAN LESSA
colunista da BBC Brasil

Que eu saiba, nenhum dos três candidatos dos principais partidos britânicos ao posto de primeiro-ministro, ora em plena disputa eleitoral, perpetuou um soneto shakespeariano como parte de sua campanha política. Estranho, um pouco, a omissão. Os ingleses são bons de verso, métrica e rima e até de pé quebrado eles versejam. Está no sangue deles. Nenhum país do mundo moderno legou ao mundo tanto poeta de primeiríssima classe.

A poesia é necessária, dizemos nós no Brasil, que entendemos algo do assunto e também dá para nos gabarmos. Nossos poetas acabam não só na Academia de Letras, mas também virando estátuas (com ou sem óculos), ícones populares e temas de enredo para escola de samba. Praticamos a poesia com algum desembaraço e muito talento. Uma geral pelo espaço eletrônico confirmará minhas palavras.

Poesia e política, intitulei eu estas modestas linhas. Temos, sim. De Drummond, e sua carta a Stalingrado, ao Vinícius de Moraes pré-Garota de Ipanema, pedindo, em 1946, anistia para todo mundo, Luís Carlos Prestes inclusive. São apenas dois. Já chegarei aos poetas populares.

O que me trouxe ao assunto foi o fato de que os jornais divulgaram a notícia de que o novo presidente do Conselho Europeu, o holandês Herman van Rompuy, lançou, na semana passada, um livro de 128 páginas só de haikais (ou ainda haicus e também haicais, segundo o Houaiss), uma das mais delicadas formas poéticas já boladas pelos homens.

Claro que o haikai (vamos optar por essa forma) tem sua origem no Japão e é secular. Trata-se um haikai de um poema de 3 linhas, contendo, na primeira e na última, 5 sílabas ou mais, sendo que a segunda linha deve, ou tem, que ter, 7 sílabas, totalizando sempre, pois, 17 sílabas. Trata-se da mais breve das formas poéticas e, além do mais, os haikais devem conter uma referência a alguma estação do ano, obedecerem aos ditames naturalistas e, em sua substância, primar pelo sentido de observação.

Tivemos e temos nossos eméritos praticantes do haikai. Guilherme de Almeida, o chamado "poeta da Revolução de 1932", foi não só um deles como também, dizem, seu introdutor no Brasil. Millôr Fernandes, para variar, fez do haicai (ele prefere haicai; respeitemo-lo) mais uma de suas marcas registradas.

Dou um único exemplo de um haikai clássico, só para terem uma ideia. É da autoria de Shuhei Uetsuka (1876-1935), mais conhecido como Hyôkotsu. Consta que a composição foi o resultado do primeiro contato do poeta com o porto de Santos:

A nau imigrante

Chegando: vê-se lá do alto

A cascata seca.

Tentem vocês um haikai. Ou mesmo haicu ou haicai. O importante é dar ouvidos às musas. Ou à musa, se estiver desacompanhada.

Quanto aos versos do político holandês, tentei mas não consegui dar com o ratinho num deles no espaço cibernético. Para compensar, venho lembrar uma tradição que é só nossa e ninguém nos tira ou imita. Nem mesmo um mestre japonês como o renomado Matsu Basho, segundo certas autoridades o inventor e maior praticante do gênero. Refiro-me à nossa Literatura de Cordel. Uma poesia popular, originalmente oral, mais tarde, e até hoje, impressa em folhetos rústicos expostos para venda em cordas ou cordéis, daí seu nome.

Pois nossos cordelistas continuam firmes e já se informatizaram. Um amigo prezado me enviou, ainda recentemente, uma obra do Miguezim de Princesa, paraibano radicado em Brasília. O nome das dez sextilhas (cordel é sempre em sextilhas) é Um PAC com Dilma e, dele, pincei os dois versos que se seguem, só para dar um cunho nacionalista e politizado à minha prosa pobre. Segurem aí e, se possível, depois, via uma ferramenta de busca, procurem se familiarizar com mais obras do Miguezim, que o homem é danado de bom:

"Quando vi Dilma Roussef

Sair na televisão

Com o rosto renovado

Após uma operação,

Senti que o poder transforma:

Avestruz vira pavão."

E:

"A mulher, que era emburrada,

Anda agora sorridente,

Acenando para o povo,

Alegre, mostrando o dente,

E os baba-ovos gritando:

É Dilma pra presidente!"

Link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u723846.shtml

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